Como me era de costume, recolhi da impressora a segunda via do recibo de empréstimo para analisar os livros que Ela acabara de emprestar da biblioteca. Me sentia como que revirasse os sacos de lixo deixados pelos vizinhos com a intenção de reconhecer nos resíduos abandonados seus hábitos de vida. O máximo que consegui revirando sacos de plástico azul transparentes foi saber quando a vizinha estava menstruada, quanto pediam de comida chinesa ou se alguém estava desarranjado. Não necessariamente nessa ordem.
Os livros não. Esses me sussurravam sobre o estado de espírito de seus leitores. Me entregavam paixões secretas e mágoas profundas. Me confidenciavam, como quem precisa de um cúmplice, a respeito de intenções perversas, de traições. Davam pistas sobre as diferentes mãos que os manusearam e passaram suas páginas. Dedos finos, longos e brancos, como os de uma pianista que acaricia e transfere calor para o frio marfim das teclas de um piano de 1/4 de cauda Zeitter & Winkelmann. Dedos curtos e de unhas roídas capazes de operar milagres com uma lapiseira Pentel 0,9 sobre o papel macio de um moleskine capa dura. Dedos sujos, com pó de carvão, cheiro de verniz fixador e restos de tinta sob as unhas mal aparadas. Dedos aristocráticos, hidratados, com unhas pintadas a esmalte claro e pontas francesas, sem calos, sem manchas, sem vida.
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