terça-feira, 30 de junho de 2009

Enfim o livro

Não sei se deu para perceber, aliás não sei mesmo se alguém lê essas linhas que escrevo, mas Por detrás dos livros é meu livro. Talvez o título seja ainda provisório mas a história está traçada. A surpresa fica por conta de eu não mais publicar os texto que são parte do livro, vou publicar outras coisas, outras palavras. Pode ser que isso também seja provisório, mas no momento prefiro me recolher a uma escrita solitária até que a coisa toda esteja mais desenvolvida. Não sumirei, continuarei firme no propósito (despropositado no momento) de publicar posts diários. 

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Por detrás dos livros 4

Começaria, pois, por onde se deve, pelo começo. Antes, porém, era necessário saber quanto tempo eu teria para a leitura. Queria ler ao mesmo tempo que Laura, assim imaginava. Invadiríamos o espaço narrativo num só pensamento e, quem sabe, viveríamos juntos as emoções da leitura.
Entrei no sistema da biblioteca, cujo acesso me era franqueado com a senha de meu supervisor, aquele merda que cagava regra por onde passava e que era sistematicamente sacaneado e boicotado por todos. 
Laura A. Moraes estava matriculada sob o número 90/08446 na habilitação de Programação Visual do curso de Desenho Industrial. O sistema me dizia, ainda, que ela morava na última quadra da península norte, bairro de bacanas não tão bacanas quanto os do Lago Sul, mas efetivamente mais bacanas que eles. Por fim, tive acesso às disciplinas que Laura estava matriculada, com requintes de crueldade que me permitiam saber uma a uma quais eram as salas espalhadas pelo campus da Universidade de Brasília que ela estaria frequentando cada dia da semana. 
Fiz logoff no sistema após verificar que Laura Moraes teria quinze dias para devolver os livros e que eu tinha que me adiantar na leitura.
Foi o saco de lixo mais farto que revirei nos últimos tempos.

sábado, 27 de junho de 2009

a mancha que me redime

Por detrás dos livros 3

Resolvi então revirar o lixo de Laura. Ler sua lista de livros, ou parte desses, para tentar entender um pouco mais daquele ser que tanto me encantava. A cada leitura nutrientes são absorvidos pelo corpo mental e armazenados em nossas memórias de curto, médio e longo prazos. De acordo com as necessidades futuras esses blocos informacionais são recuperados de nosso hard disk. Somos, portanto, constituídos de tudo que vemos, que ouvimos, que  cheiramos, que pegamos, que comemos e, claro, que lemos ao longo da vida.

Com Laura não seria diferente e entrar em seu universo de palavras seria entrar em sua mente e, o que mais me excitava, entrar em seu corpo idílico.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Por detrás dos livros 2

A lista de livros de Laura me atraiu a atenção por ser breve mas ao mesmo tempo intrigante. Os livros da biblioteca geralmente são emprestados para finalidades distintas. Uns, retirados por bandos ruidosos, para atender às demandas criadas pelos professores dos mais diversos cursos. Para resolver problemas de provas, trabalhos práticos, seminários. Outros, em menor volume, se prestam ao entretenimento de seus leitores. Diversão, fruição, deleite. Os do primeiro tipo são geralmente maltratados e surrados, enquanto os outros, emprestados unicamente por vontade de seus leitores, são limpos, bem cuidados e, por vezes, até carinhosamente restaurados.

A lista de Laura reunia, estranhamente, as duas coisas:

 

O velho e o mar, de Ernest Hemingway;

Atlas de Anatomia Humana, de Henry Gray;

La musica de Julia, de Alicia Steimberg.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Das coisas absolutas

"Tudo o que é sólido se desmancha no ar"

– Manifesto Comunista
Marx e Engels

terça-feira, 16 de junho de 2009

Olha a proa

Remar. É o que tenho feito em boa parte de minhas tardes vazias. Iniciei-me na atividade há pouco mais de quatro meses mas já tripudiaria de McLuhan sugerindo o remo como extensão do homem. Desanuvia. Liberta. É a busca pelo equilíbrio. Até porque sem ele a porra do barco vira.
Outro dia vi numa camiseta que trazia a imagem de três potes de pílulas – tranquilizante, viagra e analgésico –, a frase "a felicidade é química". Remar é melhor, só desconheço se produz resultados contra casos de disfunção erétil. Quem sabe num doble, aqueles barcos para duas pessoas? Ou dos maiores, para quatro, seis ou oito remadores. Uma puta suruba.
É só você, o barco e o lago. Sem rumo, sem hora pra chegar, num tempo medido não pelos ponteiros do relógio, mas pelo tensionamento dos músculos, um tempo orgânico, de dentro. 
Cada movimento é refletido no equilíbrio do barco, seja um canoi, um mini ou um longo skiff de fibra de carbono, leve, cortante. 
Navegar é preciso, viver não é preciso. E eu preciso remar para me manter não preciso.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Filhotes

Temos em casa um casal de cães. Duvido muito que vira-latas possam ser chamados de cães, acredito que chamá-los de cachorros seria mais honesto. Temos, pois, dois cachorros, um filho do outro, aliás, da outra. Brancos, encardidos, de pelos enrolados, dóceis, ela mais que ele. O resultado de deixar animais consanguíneos convivendo no mesmo espaço durante aqueles períodos férteis, para ser ameno, é uma sessão explícita de atos incestuosos, uma cachorrada só. O fruto dos múltiplos atos pecaminosos: 7 filhotinhos, lindos, brancos, saudáveis. A mãe, em sua manifestação máxima de liberdade animal, cavou um profundo buraco em nosso gramado, próximo ao muro que nos separa de uns vizinhos cuja espécie animal desconheço, e lá depositou em noite de lua cheia seus 7 rebentos. Sozinha, sem anestesia, sem panos limpos, sem ocitocina, sem U.T.I. pós natal, sem porra nenhuma. 
Nomes. Os bichinhos precisavam de nomes. A supremacia masculina, pelo menos quantitativa, se fez presente na goleada de 6 x 1 para os machos. Começamos, democraticamente, e a enxurrada de asneiras não teve mais limite. Por fim os nomes, ou quase isso:
1. Bauduco (não recebemos e não pagamos royalties); 2. Doggy; 3. Chedar; 4. Lili (a menininha da turma); 5. Zé Ovo; 6. Bode e 7. Lex (é o mais calminho).
Sobreviventes, sabem o que é ter que se virar. O resto é perfumaria.

domingo, 14 de junho de 2009

Domingo de porco

Em minha família cultivamos a tradição de criar certos apelidos para pessoas, situações, eventos insólitos, enfim para coisas que mereçam uma denominação além da que lhe compete sua acepção ordinária, habitual. Já demos novos nomes para pessoas, baseados geralmente em características físicas ou comportamentais. O professor de piano de minha filha, cujo nome permanecerá em sigilo, é de baixa estatura. Muito baixa mesmo, baixa o suficiente para chamar a atenção e para render-lhe um codinome: mini-kleiton (lembro que esse não é o verdadeiro nome). Mini-kleiton normalmente chega à escola de música após chegarmos, eu e minha filha, e, em pelo menos duas dessas ocasiões, conseguiu atravessar o hall de espera onde estávamos, sem que percebêssemos sua entrada. Acredito que ele passe sorrateiramente por debaixo de nossas pernas para imputar a nós a responsabilidade pelo atraso. Hora dessas piso no calo dele. É, ele tem um calo na cabeça.
Zélia Gatai, no divertido Códigos de Família, narra com competência infinitamente superior à minha, os códigos criados por sua família para as "coisas", assim como fazemos em minha casa.
Aqueles dias, normalmente nos finais de semana, dedicados ao empanturramento coletivo, são chamados de dias de porco. Ontem foi um desses, e pior, com menu internacional.
O dia começou com um legítimo brunch americano, feito por um americano, com direito a milkshake e o caralho (não literalmente, por favor). Lá pelas 14h30, fornidos de omeletes, torradas, e mais uma renca de coisas, partimos para um pequeno restô de amigos gaudérios. Em verdade o chef é um uruguaio bom entendedor de carnes e de como assá-las. Outra sova.
Como as leis da física não permitiram a sobreposição de dois ou mais corpos em um mesmo lugar do espaço, o lanche da noite foi encabulado: sopa com torradas. Mas o domingo, em seu saldo de gols, foi de porco. E porco dos grandes.

sábado, 13 de junho de 2009

Ratos

"(...) É cada vez mais difícil presentear. Onde ainda sobre algum espaço? Ah, que desgraça, não saber o que mais desejar. Tudo foi realizado. O que falta, dizemos, é a carência, como se a quiséssemos transformar em desejo nosso. E continuamos presenteando sem piedade. Ninguém mais sabe o que quando de quem lhe demonstra afeto. Sentia-me saciado e carente quando, indagado, pedi um rato de presente de Natal."
– A Ratazana, Günter Grass

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Dia dos Namorados

champagne, jantar, presentes, sorrisos, sexo, ressaca, culpa, contas, tédio; vodka, jantar, presentes, sorrisos, sexo, ressaca, culpa, contas, tédio; caipirinha, jantar, presentes, sorrisos, sexo, ressaca, culpa, contas, tédio; cerveja, jantar, presentes, sorrisos, sexo, ressaca, culpa, contas, tédio; cachaça, berros, tapa na cara, ressaca, alívio e fim.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Leitura



Como se faz para escolher as próprias leituras? Não aquelas que nos obrigam os afazeres escolares. Mas aquelas voluntárias, escolhidas. Durante um tempo eu comprei livros por conta de suas capas. Idiota, mas sou designer e me parecia um indicativo de boa leitura algo que se protegesse ou se mostrasse na forma de uma bela capa. Também discos eu comprei assim. Confesso, eu ainda compro discos, cds. Resolvi considerar além da casca e passei a me informar sobre a possibilidade de boa leitura em artigos da crítica especializada. Confesso que, a depender da crítica, minha técnica de apreciação das capas promovia resultado mais consistente. A etapa seguinte foi ler o que me aparecesse pela frente e a própria leitura daria conta de separar, ainda nas primeiras páginas, os bons dos maus. Gostei do resultado e isso me exigia mais tempo dedicado a ler. Hoje tento ler três livros de uma única vez, intercalando-os. No momento são A cidade ilhada – Milton Hatoum; Trilogia suja de Havana – Pedro Juan Gutiérrez e (a releitura de) Memórias do Cárcere – Graciliano Ramos. Se misturo as narrativas? Geralmente não, mas quando acontece não é de todo mal. Em verdade os três foram momentaneamente  trocados pela leitura dos manuscritos do romance de um amigo. Promissor.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Por detrás dos livros

Como me era de costume, recolhi da impressora a segunda via do recibo de empréstimo para analisar os livros que Ela acabara de emprestar da biblioteca. Me sentia como que revirasse os sacos de lixo deixados pelos vizinhos com a intenção de reconhecer nos resíduos abandonados seus hábitos de vida. O máximo que consegui revirando sacos de plástico azul transparentes foi saber quando a vizinha estava menstruada, quanto pediam de comida chinesa ou se alguém estava desarranjado. Não necessariamente nessa ordem.

Os livros não. Esses me sussurravam sobre o estado de espírito de seus leitores. Me entregavam paixões secretas e mágoas profundas. Me confidenciavam, como quem precisa de um cúmplice, a respeito de intenções perversas, de traições. Davam pistas sobre as diferentes mãos que os manusearam e passaram suas páginas. Dedos finos, longos e brancos, como os de uma pianista que acaricia e transfere calor para o frio marfim das teclas de um piano de 1/4 de cauda Zeitter & Winkelmann. Dedos curtos e de unhas roídas capazes de operar milagres com uma lapiseira Pentel 0,9 sobre o papel macio de um moleskine capa dura. Dedos sujos, com pó de carvão, cheiro de verniz fixador e restos de tinta sob as unhas mal aparadas. Dedos aristocráticos, hidratados, com unhas pintadas a esmalte claro e pontas francesas, sem calos, sem manchas, sem vida.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Evaporar

"[...]

O rio fica lá
A água é que correu
Chega na maré
Ele vira mar

Como se morrer
Fosse desaguar
Derramar no céu
Se purificar

Ahh deixa pra trás
Sais e minerais, evaporar!"

– Rodrigo Amarante

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Coisas sábias

"Por que cargas d'água os cabelos que cresciam na cabeça agora crescem nas orelhas?" – superguidis

domingo, 7 de junho de 2009

+ coisas

Nasci pro mar 


Me falta o ar,

Nasci pro mar.

Saltei do cais,

Senti os corais.

 

O azul tingiu,

Perdi o navio.

Subiu a maré,

Vem, iemanjá.

 

Nasci e morri,

no mesmo dia em que vi o mar.

 

Fugiu a areia,

Ouvi a sereia.

Provei do sal,

Fiquei sem nau.

 

Nublou-me o sol,

Sem nem farol.

Me falta o ar,

Morri no mar.

 

Nasci e morri,

no mesmo dia em que vi o mar.


Siul Rasec (14.06.2007)

sábado, 6 de junho de 2009

Coisas

Meu Neto

Passavam das oito da manhã quinze minutos quando o telefone chama e do outro lado meu segundo filho me surpreende com a notícia de que meu primeiro neto acabara de nascer. O escroto, não do meu neto, mas do meu filho, mas não o escroto de fato e sim a escrotice, fez com que ele e minha nora, que nesta época andava às voltas com exercícios de yoga e técnicas de acompanhamento do trabalho de parto, resolvessem toda a tensão do momento com uma calma samaritana. Meu filho, não bastasse ter assistido tudo de perto, ainda garantiu a integridade física de minha nora e de sua dignidade. O mesmo filho que desmaiou ao ver uma incisão de pouco mais de um centímetro de largura na pata de uma cadela pastor alemão que tivemos.

Meu neto nasceu com problema com o escroto, não meu filho, mas com o escroto mesmo. Tinha líquido acumulado no saco e antes mesmo dos seis meses todas as previsões pessimistas dos médicos a que consultamos na época foram dissipadas e esquecidas. Era o primeiro filho de meu filho, meu primeiro neto, o primeiro bisneto de minha madastra e provavelmente o primeiro acontecimento importante dos melhores anos de minha vida.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Paraíso I

Um caminho indecifrável aquele, e nos conduziu a um paraíso que irritava pela água salobre e pela falta de outros defeitos.
A estrada mal recapada atravessava um enorme labirinto formado por ruelas de piçarras que davam acesso à uma ruma de refinarias e bombas coletoras de petróleo que papocavam a cada curva.
Cabras. Era só o que se via por toda parte. Como se o caminho para o paraíso precisasse ser calcado por dúvidas e sofrimento. Uma resistência filha da puta aquela que se mostrava nas cabras, sobreviventes em um lugar tão agreste e tão ermo. Nem o ar se movia.
O asfalto grosso que fervia os pneus do carro nos levou, graças a truncadas orientações de dois matutos que nos surgiram na estrada tais como os cabras, a um fim de mundo onde quaravam, numa espécie de lagoa salgada, ondas espumantes e mal cheirosas.
Quando, de fato, nos encontrávamos no que só poderia ser a materialização do nada, e onde nada, nem mesmo o nada, nos surpreenderia, fomos forçados a dobrar os joelhos e reconhecer a pequenez da nossa imaginação. Um estacionamento, sem dono, sem cerca, sem guarita. No fim do mundo havia um estacionamento.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Desonra - J.M. Coetzee

[...]
Ele atravessa a sala. "Foi o último?", Bev Shaw pergunta.
"Tem mais um."
Abre a porta do compartimento. "Venha", diz, curva-se,abre os braços. O cachorro arrasta a parte traseira aleijada, fareja seu rosto, lambe sua face, seus lábios, sua orelha. Não o detém. "Venha."
Levando-o no colo como um carneiro, entra na sala de operações. "Achei que ia deixar esse para a semana que vem", diz Bev Shaw. "Vai desistir dele?"
"É. Vou desistir."


quarta-feira, 3 de junho de 2009

Rotina

Por que será que o homem – sábio, desenvolto, poderoso – é o único da espécie animal que se submete à opressão da rotina?! Quem já viu um passarinho – que viva em liberdade, claro – cagar todo dia no mesmo lugar?! Ou comer, não quando sente fome mas quando alguém determinou que é a hora de comer. Ou se exercitar em hora e local determinados. 
Para aprender as coisas é preciso, diariamente e marcado pelo som de sirenes histéricas, enclausurar-se entre quatro paredes e um teto e um chão, sentar-se (afinal em outra posição o conhecimento se esvaece), fazer silêncio, não mover-se, não piscar, não emitir sons e, preferencialmente, não respirar.
E a rotina vence, escraviza. Há de se ter dia para ir ao supermercado, para estudar inglês e espanhol, para fazer as unhas e os cabelos, para ir ao cinema, para beber e para trepar. Normalmente com hora marcada também.
Mas é preciso rotina para que haja ordem no mundo. Mas e a ordem?! Subproduto da rotina ou seria o oposto? Deixa prá lá, tenho que sair agora pois às 16h30 começa minha terapia, às 17h20 tenho aula de música, e às 19h10...

terça-feira, 2 de junho de 2009

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Me anestesiei


Como é possível fechar os olhos e sonhar, sem sucumbir à fissura produzida pelas mazelas do mundo contemporâneo, pós-moderno, pós-humano e, muito provavelmente, sem hífen. Resolvi, pois, me anestesiar. Governador investigado por improbidade administrativa; General Motors – a ultra montadora americana – pede concordata; desaparece um airbus da AirFrance; gripe suína, aviária, bovina; queda de barragem no Piauí; incêndio em mina mata na África do Sul; militantes talibãs sequestram 400 no Paquistão; e sangue, sangue, sangue...
Deitado naquela cadeira/divã não hesitei: 
– Doutora, por favor, acabe com minha dor: anestesia, vai?!
E a dentista prontamente me atendeu.