sábado, 30 de maio de 2009

O camelo e a flor

Um camelo alto e barbudo passeava pelo deserto. Em verdade o camelo se arrastava pelo deserto, usando as últimas reservas de água que sua corcova trazia, coisa de copo e meio desses pequenos de boteco. Desconheço a relação de consumo que um camelo consegue desenvolver, mas diria que aquela porção de água já era da reserva. E o diabo do camelo era desses parrudões, no mínimo 1.8, ou seja, bebia pra caralho. E o camelo seguia firme, em quinta marcha, quando percebeu uma pequena flor a coisa de 200 metros do ponto onde estava. Apontou o focinho em sua direção e partiu ainda mais rápido. Pensou que aquela florzinha frágil só poderia estar postada sobre um enorme manancial de água limpa e fresca, era sua salvação. Enganou-se. Era só areia, fina, seca e quente. 
– Como você consegue se manter incólume nesse deserto de ardor inclemente?! – desesperado, o camelo. 
– É fé. – em tom pueril, a flor . 
– Fé em que?! – e pensou no palavrão mais libertador, o camelo. 
– Na providência divina, e isso me enche de sentimento que se transfigura em água. – quase levitando, a flor. 
E o camelo, urdido em seu próprio desespero, escancara a boca e arranca, com os dentes que lhe restam, a pequena flor da areia. Mastiga calmamente, expondo a maior peculiaridade dos artiodátilos, sacia a sede de semanas sem água e resmunga, ainda com restos de pétalas na boca:
"e lá vai deus sem querer saber de nós
saibamos pois
estamos sós".

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