Meu irmão
Eu tinha lá pelos meus três ou quatro anos quando reparei pela primeira vez que meu irmão vivia olhando o mundo pela janela do carro. Um ano, sete meses e quinze dias. Era a diferença que tínhamos de idade, ele mais velho. Quando estava com dez meses teve que parar de mamar porque minha mãe ficara grávida de mim. Desde muito cedo disputamos a atenção dela. Quando ela ficava um pouco mais com meu irmão eu inventava logo um choro sem motivo, mas, que me rendia alguns instantes de vantagem. Sempre achei que o tempo ao seu lado era precioso, só não sabia porque, eu apenas sentia. Meu irmão também sabia disso e sempre tirou proveito de sua condição de primogênito para estar próximo dela. Herdei seu berço laqueado branco com protetores de algodão recheados de espuma. Aliás, herdei quase tudo que podia apesar de ser menina. Até cuecas eu usei por falta de calcinhas limpas. Junto com o berço vieram as grades e a desvantagem de precisar sempre de alguém para me desvencilhar delas. Meu irmão ganhara uma nova cama pintada de branco lavado, uma espécie de pintura aguada que precisava de um nome que lhe rendesse presença nas boas lojas de móveis e que esteve na moda durante alguns anos de nossa infância. Trinta e dois centímetros do chão eram os únicos obstáculos que o separavam da liberdade. Ele escapava toda noite e se metia, fingidamente sonâmbulo, por entre minha mãe e meu pai. Tinha o estranho hábito, que hoje sei bem que não era nada estranho, de se deitar atravessado na cama. A cabeça encostada em minha mãe e os pés, principalmente os calcanhares, divididos entre os olhos, o nariz e a boca de meu pai.
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